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A Consolidação da propriedade e a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos

postado por Cartório RTDPJ Valadares


Publicado em 25/01/2024 às 13:29:24



Artigo

A Consolidação da propriedade e a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos

Por 

Adenilton Valadares

Oficial Registrador do Cartório de Registro de Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas de FEIRA DE SANTANA/BA

SUMÁRIO

1. Introdução.

2. Tópicos importantes na dinâmica da consolidação da propriedade de bens móveis e a busca e apreensão.

2.1  Da equiparação do oficial registro de títulos e documento ao oficial de justiça.

2.2 Da equiparação do oficial de registo de títulos e documentos ao juízo arbitral.

2.3 Da possibilidade de processar os procedimentos de consolidação e busca e apreensão, mesmo sem prévio registro do contrato de alienação.

2.4 Da contagem dos prazos em dias corridos ou dias úteis?

2.5 Exemplos de bens móveis que podem ser alienados fiduciariamente.

2.6 Da alienação fiduciária entre vendedor (credor) e comprador, sem a participação de agente financiador.

2.7 Das vantagens da execução extrajudicial de bens móveis.

3. Do procedimento de consolidação da propriedade móvel alienada fiduciariamente.

3.1 A comprovação da mora pelo simples vencimento da dívida. Desnecessidade de exigir carta com aviso de recebimento para iniciar o procedimento de consolidação.

3.2  Das opções do devedor após a notificação.

4. Do procedimento de busca e apreensão.

5. Da conclusão.

ANEXO I - QUADRO DA CONSOLIDAÇÃO

ANEXO II - QUADRO DA BUSCA E APREENSÃO

  1. Introdução.

O advento da Lei 14.711/2023 no ordenamento jurídico brasileiro representa um marco significativo na dinâmica da recuperação de créditos associados a bens móveis. Esta inovação legislativa, inserindo o procedimento de Consolidação da Propriedade e a busca e apreensão em ambiente extrajudicial, reflete um avanço disruptivo e altamente eficaz no âmbito do Registro de Títulos e Documentos. Tais procedimentos, não apenas simplifica, mas também agiliza o processo de recuperação de créditos, evidenciando a importância crescente dos Oficiais de Cartório e profissionais envolvidos com alienação fiduciária.

Historicamente, a execução extrajudicial no Brasil já era conhecida no contexto do Registro de Imóveis, sobretudo após a implementação da Lei 9.514/97. Contudo, a nova legislação, Lei 14.711/2023, estende esse mecanismo aos bens móveis, consolidando uma prática que alinha o Brasil com tendências globais de eficiência e desburocratização.

O legislador brasileiro demonstrou perspicácia e inovação ao ampliar o escopo da extrajudicialização, seguindo o caminho já trilhado em procedimentos como divórcio e inventário. Esta abordagem não somente otimiza o tempo e recursos envolvidos, mas também celebra a autonomia e a eficácia processual. Assim, a Lei 14.711/2023 é um motivo de comemoração, tanto para os Oficiais de Cartório quanto para todos os profissionais que atuam na esfera da alienação fiduciária, marcando um novo capítulo na história jurídica do Brasil no que tange à gestão de bens móveis.

2. Tópicos importantes na dinâmica da consolidação da propriedade de bens móveis e a busca e apreensão.

Abordaremos nesses tópicos alguns assuntos gerais que se aplicam tanto à consolidação como à busca e apreensão extrajudicial. Vejamos.

2.1  Da equiparação do oficial registro de títulos e documento ao oficial de justiça.

A Lei 14.711/2023 inaugurou uma nova era na gestão de garantias mobiliárias no Brasil, estabelecendo uma notável equiparação entre o Oficial de Registro de Títulos e Documentos e o Oficial de Justiça. Esta equiparação, embora não seja uma identidade de funções, aproxima significativamente as competências destes profissionais no que tange à execução de procedimentos de busca e apreensão de bens.

Sob a égide da nova legislação, o Oficial de Registro de Títulos e Documentos adquire a capacidade de realizar a busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente em caso de inadimplência do devedor. Esta atribuição, antes exclusiva dos Oficiais de Justiça, reflete uma evolução importante no sistema de recuperação de créditos, conferindo maior agilidade e efetividade ao processo.

Um aspecto crucial desta nova dinâmica é a possibilidade do Oficial de Registro de Títulos e Documentos requisitar auxílio direto à autoridade policial, caso se depare com resistência por parte do devedor na entrega do bem. Esta prerrogativa assegura a efetivação da apreensão, resguardando a segurança do processo e dos envolvidos, ao mesmo tempo em que fortalece o mecanismo de garantia da alienação fiduciária.

É fundamental enfatizar que, em todo o procedimento, deve-se evitar excessos e buscar sempre a entrega conciliatória do bem pelo devedor. O respeito aos direitos do devedor e a condução ética do processo são essenciais para a manutenção do equilíbrio e da justiça nas relações de crédito e garantia.

Portanto, a Lei 14.711/2023, ao equiparar o Oficial de Registro de Títulos e Documentos ao Oficial de Justiça em determinadas competências, representa um avanço significativo na efetividade dos processos de recuperação de crédito, contribuindo para um sistema jurídico mais dinâmico e eficiente, sempre pautado pelo respeito às normas e pela busca da conciliação.

2.2 Da equiparação do oficial de registo de títulos e documentos ao juízo arbitral.

A Lei 14.711/2023 introduz uma perspectiva inovadora no panorama jurídico brasileiro ao conferir ao Oficial de Registro de Títulos e Documentos uma função que, guardadas as devidas proporções, pode ser comparada à de um juiz arbitral. Esta comparação se ancora na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), que estabelece a figura do juiz arbitral e a validade da cláusula arbitral como mecanismo de resolução de disputas fora do âmbito judicial.

A nova legislação, ao permitir que contratos de alienação fiduciária incluam cláusulas expressas autorizando a consolidação da propriedade e a busca e apreensão pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos, assemelha-se ao conceito de "cláusula arbitral". Essa cláusula, prevista em contrato, determina que eventuais litígios relacionados ao contrato sejam resolvidos por meio da arbitragem, e não pelo Poder Judiciário. De maneira similar, a cláusula que autoriza o procedimento extrajudicial de consolidação e busca e apreensão confere ao Oficial de Registro um papel decisivo na resolução da questão da posse do bem em disputa, sem a necessidade de recorrer ao sistema judiciário.

Neste contexto, o devedor não pode alegar desconhecimento ou questionar a legitimidade do procedimento extrajudicial, pois ao assinar um contrato que inclui tal cláusula, concorda com as condições estabelecidas para a resolução de eventuais conflitos. É importante frisar que se trata de um direito disponível, ou seja, as partes têm autonomia para estabelecer acordos sobre como seus conflitos serão resolvidos, desde que não contrariem a ordem pública ou disposições legais inafastáveis.

Assim, a Lei 14.711/2023 representa um avanço significativo na eficiência e na autonomia das transações relacionadas a bens móveis. Ela confere ao Oficial de Registro de Títulos e Documentos um papel ativo na execução de acordos previamente estabelecidos, semelhante ao desempenhado por um juiz arbitral, contribuindo para a desburocratização e a celeridade no tratamento de questões patrimoniais. Este marco legal reforça a ideia de que a autonomia privada e a agilidade processual podem caminhar juntas, fortalecendo a segurança jurídica e a eficácia nas relações contratuais. Portanto, os procedimentos de consolidação e busca e apreensão extrajudicial encontram seus fundamentos na própria Constituição Federal.

2.3 Da possibilidade de processar os procedimentos de consolidação e busca e apreensão, mesmo sem prévio registro do contrato de alienação.

É um ponto crucial entender que, embora o registro prévio do contrato de alienação fiduciária seja ideal e recomendável por razões de segurança jurídica, ele não é estritamente necessário para a execução desses procedimentos.

A alienação fiduciária, especialmente em relação a veículos automotores, destaca-se como um mecanismo eficaz de garantia em transações financeiras. Neste cenário, a existência de uma cláusula expressa no contrato autorizando a consolidação da propriedade e a busca e apreensão de forma extrajudicial se apresenta como suficiente para a realização dessas ações. Isso significa que, mesmo na ausência de um registro formal do contrato no momento da inadimplência, o credor possui a prerrogativa de dar seguimento ao processo de recuperação do bem garantido.

A razão por trás dessa flexibilidade reside na própria natureza da alienação fiduciária: o bem alienado serve como garantia do cumprimento do contrato. Assim, a cláusula que autoriza ações extrajudiciais em caso de inadimplência funciona como um acordo prévio entre as partes, estabelecendo as condições sob as quais o credor pode reaver o bem. Essa disposição contratual visa agilizar o processo de recuperação do crédito, evitando a morosidade e os entraves comuns aos trâmites judiciais.

Entretanto, é importante ressaltar que a realização do registro do contrato de alienação garante a publicidade perante terceiros, evita fraudes, fixa a data do contrato, conservação por tempo indeterminado, e, no caso de perda do contrato, a emissão de uma certidão com o mesmo valor do original. 

Portanto, a flexibilidade no procedimento de alienação fiduciária, permitindo a consolidação da propriedade e a busca e apreensão sem o prévio registro do contrato, demonstra uma adaptação do sistema jurídico às necessidades práticas das transações financeiras, garantindo maior eficiência e agilidade na proteção dos interesses dos credores, sem descurar dos direitos dos devedores.

2.4 Da contagem dos prazos em dias corridos ou dias úteis?

A contagem de prazos em matéria jurídica é um aspecto fundamental que define a temporalidade e a eficácia dos procedimentos legais. Em particular, a contagem de prazos em dias úteis, conforme estabelecido pelo artigo 219 do Código de Processo Civil (CPC), merece especial atenção. Este artigo estipula que, em se tratando de prazo processual, a contagem será realizada em dias úteis, uma regra que tem implicações significativas para a prática jurídica.

O artigo 219 do CPC declara: "Na contagem de prazo em dias, estabelecida por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis." Esta disposição tem como objetivo conferir maior racionalidade e justiça aos prazos processuais, considerando as interrupções naturais do calendário semanal, como fins de semana e feriados. Esta regra é particularmente relevante para assegurar que as partes envolvidas em processos judiciais tenham o tempo adequado para exercer suas ações e defesas, sem serem prejudicadas por prazos que incidiram em dias não úteis.

A aplicação desta norma aos prazos processuais reflete uma compreensão mais realista do tempo e das capacidades operacionais das partes e dos profissionais do direito. Ao contabilizar apenas os dias úteis, o CPC permite que os prazos sejam calculados de maneira mais justa, evitando a contagem de dias em que não há atividade jurídica regular, como fins de semana e feriados, períodos nos quais não seria razoável esperar que ações processuais sejam realizadas.

Portanto, a contagem de prazos em dias úteis, conforme delineado no artigo 219 do CPC, é um componente essencial para assegurar a justiça e a eficácia dos procedimentos jurídicos. Ela demonstra um alinhamento do sistema jurídico com as necessidades práticas e temporais dos envolvidos, contribuindo para um processo mais justo e acessível a todos os cidadãos.

2.5 Exemplos de bens móveis que podem ser alienados fiduciariamente.

Bens móveis que podem ser objeto de alienação fiduciária abrangem uma ampla gama de ativos, refletindo a diversidade e a adaptabilidade desta forma de garantia no universo jurídico e financeiro. Tradicionalmente, a alienação fiduciária de bens móveis inclui veículos automotores, que são talvez os exemplos mais comuns e reconhecíveis. Este tipo de garantia é frequentemente utilizado em financiamentos de carros, motocicletas e outros veículos, onde o credor mantém a propriedade fiduciária do bem até que a dívida seja integralmente quitada pelo devedor.

Além dos veículos, a alienação fiduciária pode abranger equipamentos industriais e agrícolas, essenciais para o desenvolvimento e operação de negócios em diversos setores da economia. Estes itens, muitas vezes de alto valor e cruciais para a atividade produtiva, proporcionam uma garantia sólida para operações de crédito, beneficiando tanto credores quanto devedores no âmbito de um planejamento financeiro estratégico. Ademais, a alienação fiduciária também se estende a eletrônicos, maquinários, e até mesmo a estoques de mercadorias, que representam ativos valiosos para empresas de diferentes portes e segmentos.

A flexibilidade da alienação fiduciária em abarcar uma vasta gama de bens móveis é um reflexo de sua importância e eficácia como instrumento de garantia no universo das transações financeiras. Assim, tanto no âmbito individual quanto no empresarial, a alienação fiduciária de bens móveis se apresenta como uma opção cada vez mais viável e atraente para a estruturação de negócios e financiamentos no Brasil contemporâneo.

2.6 Da alienação fiduciária entre vendedor (credor) e comprador, sem a participação de agente financiador.

A alienação fiduciária entre vendedor e comprador, sem a intermediação de um agente financiador, é uma modalidade plenamente possível e, em muitos casos, vantajosa para ambas as partes envolvidas. Esta forma de transação permite que o vendedor atue como credor, oferecendo diretamente ao comprador a possibilidade de adquirir um bem, geralmente mediante pagamento parcelado, com o próprio bem servindo como garantia do negócio.

Um exemplo clássico dessa prática pode ser encontrado no mercado de veículos usados. Lojas especializadas nesse segmento frequentemente oferecem a seus clientes a opção de comprar um carro através de um contrato de alienação fiduciária. Neste arranjo, o comprador adquire o veículo e se compromete a pagar o valor acordado em parcelas. Durante o período de pagamento, o carro permanece alienado, ou seja, em garantia fiduciária ao vendedor. Somente após a quitação total do valor, a propriedade do veículo é transferida definitivamente ao comprador. Esta modalidade beneficia o vendedor, que tem uma garantia concreta para o recebimento do pagamento, e o comprador, que consegue adquirir o bem mesmo sem dispor do valor integral no ato da compra.

Outro exemplo pode ser encontrado no setor de equipamentos. Empresas que vendem maquinário pesado, como equipamentos agrícolas ou industriais, podem optar por vender seus produtos sob contrato de alienação fiduciária. Aqui, o comprador adquire o equipamento e o utiliza em sua atividade produtiva, enquanto paga ao vendedor/credor em parcelas. Assim como no caso dos veículos, o equipamento permanece como garantia até a liquidação do débito.

Esses exemplos ilustram a flexibilidade e a utilidade da alienação fiduciária em transações diretas entre vendedor e comprador. Esta modalidade se mostra particularmente útil em contextos onde o acesso a financiamentos bancários é limitado ou onde as taxas oferecidas por instituições financeiras são desvantajosas. Além disso, a alienação fiduciária direta pode ser mais rápida e menos burocrática, favorecendo uma transação mais ágil e eficiente. É importante ressaltar, contudo, que tal prática deve sempre ser embasada em contratos bem estruturados, inclusive por instrumento particular, e em conformidade com a legislação vigente, para garantir a segurança jurídica e os direitos de ambas as partes. Em suma, a alienação fiduciária de bens móveis não é uma exclusividade da rede bancária ou financeira, sendo lícito a qualquer pessoa física, jurídica de direito público ou privado.

2.7 Das vantagens da execução extrajudicial de bens móveis.

A execução extrajudicial de bens móveis, um processo no qual a recuperação de créditos ou a retomada de bens ocorre fora do sistema judicial formal, apresenta uma série de vantagens que merecem ser destacadas. Este método, caracterizado pela sua eficiência, agilidade e menor custo, representa uma alternativa significativa ao tradicional processo judicial de execução, especialmente no que diz respeito a bens móveis como veículos, maquinário e outros ativos tangíveis.

Agilidade Processual: Uma das maiores vantagens da execução extrajudicial é a rapidez com que os procedimentos podem ser concluídos. Ao contrário do sistema judicial, que muitas vezes é sobrecarregado e sujeito a atrasos devido à complexidade dos processos e ao grande volume de casos, a execução extrajudicial permite uma resolução mais rápida do conflito, beneficiando tanto credores quanto devedores.

Redução de Custos: Os custos associados à execução extrajudicial são geralmente menores em comparação com os procedimentos judiciais. Esta economia se deve à menor necessidade de intervenção de advogados por períodos prolongados e à redução de custas judiciais e honorários advocatícios.

Menor Formalidade: A execução extrajudicial é menos formal do que os processos judiciais. Isto não significa que seja menos segura, mas sim que as partes envolvidas podem chegar a uma solução de maneira mais direta e simplificada, sem a necessidade de seguir todos os trâmites e formalidades do processo judicial.

Autonomia das Partes: Esta forma de execução respeita a autonomia das partes, uma vez que se baseia em acordos previamente estabelecidos entre credor e devedor. Assim, ambas as partes têm uma ideia clara das consequências do não cumprimento do acordo, o que pode incentivar o cumprimento voluntário das obrigações.

Eficácia na Recuperação de Créditos: A execução extrajudicial pode ser mais eficaz na recuperação de créditos, principalmente em casos de bens móveis, cujo valor pode depreciar rapidamente. A capacidade de agir rapidamente para recuperar o bem ou seu valor é crucial para minimizar perdas.

Descongestionamento do Sistema Judiciário: Ao optar pela execução extrajudicial, as partes contribuem para reduzir o volume de casos nos tribunais, permitindo que o sistema judicial se concentre em disputas que realmente exigem a sua intervenção.

Transparência e Segurança Jurídica: Apesar de ser um procedimento realizado fora do âmbito judicial, a execução extrajudicial segue normas e regulamentos claros, oferecendo transparência e segurança jurídica às partes envolvidas.

Em resumo, a execução extrajudicial de bens móveis oferece uma alternativa viável e eficiente ao processo judicial tradicional. Com suas vantagens em termos de agilidade, custo, menor formalidade, autonomia das partes, eficácia na recuperação de créditos, alívio do sistema judiciário, transparência e segurança jurídica, esta modalidade se apresenta como um mecanismo importante para a gestão eficiente de créditos e garantias no ambiente econômico atual. 


3.Do procedimento de consolidação da propriedade móvel alienada fiduciariamente.

A Lei 14.711/2023, alterando o Decreto-Lei 911/69, estabelece um novo panorama para o procedimento de consolidação da propriedade de bens móveis alienados fiduciariamente. Esta legislação moderniza e simplifica o processo pelo qual o credor pode se tornar proprietário do bem em caso de inadimplência do devedor. Vamos explorar, em linhas gerais, os principais aspectos desse procedimento, delineados em tópicos claros e concisos:

Notificação do Devedor: O primeiro passo no procedimento de consolidação da propriedade é a notificação do devedor inadimplente. Esta notificação deve ser feita pelo Oficial do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, a pedido do credor, informando sobre a inadimplência e concedendo um prazo para a regularização da dívida.

Prazo para Pagamento: O devedor recebe um prazo determinado para quitar o débito pendente. Este prazo é estipulado pela nova legislação, garantindo um tempo justo e razoável para que o devedor possa sanar sua inadimplência.

Consolidação da Propriedade em Nome do Credor: Caso o devedor não regularize sua dívida dentro do prazo estipulado, a propriedade do bem móvel é consolidada em nome do credor. Isto significa que o credor passa a ter a propriedade plena do bem.

Possibilidade de Busca e Apreensão: Em casos onde o bem não está na posse do credor, a nova lei permite a busca e apreensão do bem móvel, assegurando que o credor possa efetivamente exercer seus direitos sobre a propriedade consolidada.

Venda do Bem: Uma vez consolidada a propriedade e recuperado o bem, o credor deve vender o bem móvel para recuperar o valor da dívida inadimplida. Este processo de venda deve ser realizado de forma transparente e justa.

Respeito aos Direitos do Devedor: Em todo o procedimento, é fundamental que sejam respeitados os direitos do devedor, garantindo que o processo seja conduzido de forma ética e dentro dos limites legais.

A Lei 14.711/2023, portanto, oferece um caminho claro e eficiente para a consolidação da propriedade de bens móveis alienados fiduciariamente. Este procedimento representa um equilíbrio entre os direitos do credor de recuperar seu crédito e os do devedor de ter um processo justo e transparente. A modernização trazida por esta legislação reflete um avanço significativo na agilidade e eficácia da recuperação de créditos, sendo um marco importante no direito patrimonial e na economia brasileira.

No ANEXO I deste artigo encontra QUADRO DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE, com todos os detalhes.

3.1 A comprovação da mora pelo simples vencimento da dívida. Desnecessidade de exigir carta com aviso de recebimento para iniciar o procedimento de consolidação.

A comprovação da mora no contexto da execução extrajudicial de bens móveis, especialmente após as alterações introduzidas pela Lei 14.711/2023, suscita discussões relevantes sobre a necessidade ou não de uma notificação prévia por carta com aviso de recebimento. Argumenta-se que a exigência dessa notificação, como condição de procedibilidade para iniciar o procedimento de consolidação, constitui uma redundância, ou 'bis in idem', no processo.

O ponto central dessa argumentação reside na primeira parte do artigo 2º, §2º, que estabelece: “A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento.” Esta disposição legal implica que a mora, ou seja, o atraso no cumprimento de uma obrigação, é configurada automaticamente com o vencimento do prazo estipulado para o pagamento da dívida, sem a necessidade de qualquer outra ação por parte do credor.

Neste contexto, a notificação feita pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos, que é o primeiro ato praticado no procedimento de consolidação da propriedade, já constitui um meio suficiente para informar o devedor sobre a sua situação de inadimplência e sobre as consequências legais que dela decorrem. Portanto, a exigência de uma notificação prévia por carta com aviso de recebimento se torna um passo adicional e desnecessário, uma vez que a mora já está estabelecida pelo simples vencimento do prazo de pagamento.

Além disso, é importante considerar que a simplificação do processo não acarreta prejuízos ao devedor. Pelo contrário, o procedimento estabelecido na Lei 14.711/2023 busca assegurar um equilíbrio entre a eficiência na recuperação de créditos pelo credor e a garantia de direitos e de um processo justo para o devedor. A notificação pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos cumpre o papel de informar o devedor sobre sua mora e oferecer a oportunidade para a regularização da dívida, respeitando os princípios da transparência e do devido processo legal.

Portanto, a comprovação da mora pelo simples vencimento da dívida, sem a necessidade de uma carta com aviso de recebimento prévio, representa uma abordagem mais direta e eficiente no processo de consolidação da propriedade de bens móveis. Essa metodologia alinha-se com a legislação vigente e contribui para a agilidade e eficácia dos procedimentos legais, equilibrando adequadamente os interesses de todas as partes envolvidas.

3.2  Das opções do devedor após a notificação.

Após a notificação no processo de execução extrajudicial relacionado a bens móveis alienados fiduciariamente, conforme o estabelecido pela legislação vigente, especificamente referenciado no artigo 8º-B, §7º e §11, o devedor se depara com um conjunto de opções e consequências bem definidas. Este momento é crucial, pois determina o curso das ações seguintes, tanto para o devedor quanto para o credor. Vamos resumir os passos subsequentes à notificação em uma linguagem clara e acessível:

Pagamento da Dívida: Se o devedor efetuar o pagamento da dívida dentro do prazo estipulado de 20 dias úteis após a notificação, o contrato de alienação fiduciária em garantia será restaurado ou "convalescido". Isso significa que o contrato volta ao seu estado normal, como se a inadimplência não tivesse ocorrido, e o devedor continua a ser o possuidor do bem.

Não Pagamento da Dívida: Caso o devedor não realize o pagamento da dívida dentro do prazo de 20 dias úteis, o oficial procederá com a averbação da consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor. Isso implica que a propriedade do bem alienado passa oficialmente para as mãos do credor, devido à inadimplência do devedor.

Entrega Voluntária do Bem: O devedor tem também a opção de entregar voluntariamente o bem ao credor dentro do mesmo prazo de 20 dias úteis. Se escolher esta via, é importante que o devedor entregue o bem e obtenha um recibo desta entrega, que deverá ser levado ao Registro de Títulos e Documentos (RTD) para averbação. Caso o devedor não entregue o bem voluntariamente, ele estará sujeito a uma multa de 5% sobre o valor total da dívida.

Este conjunto de disposições mostra a clareza e a eficiência do processo de execução extrajudicial em casos de alienação fiduciária de bens móveis. A legislação busca assegurar um equilíbrio entre os direitos do credor de recuperar o valor do crédito ou o próprio bem e os do devedor de ter opções claras e justas após a notificação de inadimplência. O sistema é projetado para ser justo e transparente, fornecendo um roteiro claro para ambas as partes após a notificação de mora, e enfatiza a importância da agilidade e da eficácia no tratamento de garantias fiduciárias. 

4. Do procedimento de busca e apreensão.

A Lei 14.711/2023 trouxe importantes mudanças nos procedimentos relativos à busca e apreensão em casos de alienação fiduciária, especialmente no que concerne à recuperação de bens móveis. Quando um devedor inadimplente não cumpre suas obrigações após a notificação, o credor pode iniciar o processo de busca e apreensão, seguindo as diretrizes claras estabelecidas na legislação. Este procedimento é crucial para garantir a eficácia da recuperação de créditos e a salvaguarda dos direitos do credor. Vamos resumir os passos essenciais que o credor deve seguir para dar entrada no requerimento de busca e apreensão:

Ausência de Pagamento: O credor deve informar ao Oficial do Registro de Títulos e Documentos (RTD) que, após a notificação, o devedor não efetuou o pagamento da dívida no prazo estipulado de 20 dias úteis.

Falta de Entrega Voluntária do Bem: Além da inadimplência, o credor deve declarar que o devedor também não realizou a entrega voluntária do bem no mesmo prazo de 20 dias úteis após a notificação.

Consolidação da Propriedade: O credor deve apresentar a informação de que a propriedade do bem já foi consolidada em seu nome, evidenciando a transferência de propriedade devido à inadimplência do devedor. 

Valor Atualizado da Dívida: É necessário que o credor forneça o valor atualizado da dívida. Este valor deve refletir a quantia total devida no momento do requerimento de busca e apreensão.

Detalhamento da Evolução da Dívida: Finalmente, o credor deve apresentar uma planilha detalhada que mostra a evolução da dívida. Este documento deve incluir todas as informações pertinentes sobre como o montante devido foi acumulado ao longo do tempo.

Estes requisitos estabelecidos pela Lei 14.711/2023 visam assegurar um processo transparente e justo de busca e apreensão. Ao fornecer essas informações detalhadas, o credor demonstra não apenas a legitimidade de sua reivindicação, mas também oferece ao sistema jurídico todos os elementos necessários para uma avaliação precisa da situação. O processo de busca e apreensão, assim regulamentado, torna-se uma ferramenta eficaz e equilibrada, refletindo o compromisso do sistema legal com a eficiência e a justiça na resolução de disputas de alienação fiduciária.

Os demais atos subsequentes estão relacionados no ANEXO II - QUADRO DA BUSCA E APREENSÃO, a fim de tornar melhor visualização e sua eficácia didática. 


5.Da conclusão.

Com a promulgação da Lei 14.711/2023, os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos em todo o Brasil enfrentam o desafio auspicioso de implementar imediatamente suas disposições. Esta legislação, representando um avanço significativo na maneira como os procedimentos de recuperação de créditos são conduzidos, sinaliza uma nova era na gestão de bens móveis alienados fiduciariamente.

O aspecto mais revolucionário desta lei reside na sua capacidade de desafogar o Poder Judiciário. Ao viabilizar um procedimento extrajudicial para a recuperação de bens alienados, a lei não apenas oferece ao credor uma via mais rápida e eficiente para reaver o bem, mas também contribui significativamente para a redução do volume de casos que sobrecarregam os tribunais. Este aspecto é especialmente relevante considerando que, ao contrário da execução extrajudicial de imóveis, o processo para bens móveis dispensa a realização de leilões, agilizando ainda mais a recuperação do crédito.

Adicionalmente, o Cartório de Registro de Títulos e Documentos entra em uma nova fase de crucial importância. Com a responsabilidade ampliada pela lei, esses cartórios tornam-se peças-chave no processo de consolidação da propriedade e na execução de busca e apreensão de bens móveis. Esta nova competência não só eleva o papel dos cartórios no sistema jurídico e financeiro do país, mas também impõe a necessidade de atualização e capacitação contínua desses profissionais para lidarem com os desafios e nuances desta nova realidade.

Além disso, a lei também promove a eficiência econômica. Ao facilitar a recuperação de bens, ela assegura uma maior liquidez no mercado de crédito, beneficiando não apenas os credores, mas também o sistema econômico como um todo. A possibilidade de uma recuperação de crédito mais rápida e menos onerosa é um incentivo para a concessão de créditos com maior segurança, o que, por sua vez, estimula investimentos e fomenta a atividade econômica.

Em suma, a Lei 14.711/2023 abre novos horizontes para a recuperação de créditos relacionados a bens móveis, oferecendo um caminho mais célere e eficiente para a resolução de disputas. Esta mudança não apenas moderniza o sistema jurídico brasileiro, mas também reflete um esforço contínuo para adaptar as práticas jurídicas e financeiras às necessidades e desafios do século XXI. É um passo significativo em direção a um sistema mais ágil, justo e eficaz, beneficiando credores, devedores e o sistema jurídico como um todo.

Adenilton Valadares

Oficial Registrador do Cartório de Registro de Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas de FEIRA DE SANTANA/BA

Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins - UNITINS

Mestrado em Cultura Jurídica: Segurança, Justiça e Direito junto à Universidade de Girona, Espanha.

ANEXO I - QUADRO DA CONSOLIDAÇÃO

DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL - Lei 14.711/2023
RTD COMPETENTE
É competente o cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor ou da localização do bem da celebração do contrato [Art. 8º-B, § 1º]
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE (2)
Desde que haja (1) previsão expressa no contrato em cláusula em destaque e após (2) comprovação da mora [Art. 8º-B]
1ª ETAPA: REQUERIMENTO DO CREDOR + COMPROVAÇÃO DA MORA PELO SIMPLES VENCIMENTO DA DÍVIDA
A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. [Art. 2º §2º]. Obs.: Essa segunda parte (em destaque), por lógica, NÃO será exigida do credor, porquanto, o RTD irá notificar o devedor. A mora decorre do “simples vencimento”.
2ª ETAPA: NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR PARA: [art. 8º-B, IIe II]
I - pagar voluntariamente a dívida no prazo de 20 (vinte) dias [leia-se dias úteis, por se tratar de prazo processual, CPC, art. 219], sob pena de consolidação da propriedade 
II - apresentar, se for o caso, documentos comprobatórios de que a cobrança é total ou parcialmente indevida.
OBS.: Se a dívida for considerada PARCIALMENTE indevida pelo Oficial? O devedor deve declarar o valor devido e PAGAR a parte incontroversa, no prazo de 20 dias [úteis, por se tratar de prazo processual, CPC, art. 219]. [art. 8º-B, §4º]Se a dívida for considerada TOTALMENTE indevida pelo Oficial? Deverá abster-se de prosseguir no procedimento.[art. 8º-B, §3º]
1. DO PROCEDIMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Será feita preferencialmente por meio eletrônico [art. 8º-B, §6º]
1.1 E NO CASO DE AUSÊNCIA DE RECEBIMENTO DA NOTIFICAÇÃO ELETRÔNICA EM ATÉ 3 DIAS ÚTEIS?
implicará a realização da notificação postal, com aviso de recebimento, a cargo do oficial de registro de títulos e documentos, ao endereço indicado em contrato;não exigido que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário, desde que o endereço seja o indicado no cadastro[art. 8º-B, §7º]
O QUE OCORRE DEPOIS DA NOTIFICAÇÃO?
Paga a dívida, [no prazo de 20 dias úteis] ficará convalescido o contrato de alienação fiduciária em garantia. [art. 8º-B, §7º]
Não paga a dívida, o oficial averbará a consolidação da propriedade fiduciária (...)[art. 8º-B, §7º]
OU no mesmo prazo de 20 dias úteis, o devedor deve entregar, voluntariamente, o bem ao credor, sob pena de multa de 5% sobre o valor da dívida. O recibo de entrega do bem ao credor deve ser levado ao RTD para averbação [art. 8º-B, §11]

ANEXO II - QUADRO DA BUSCA E APREENSÃO

DA BUSCA E APREENSÃO - Lei 14.711/2023
O credor apresentará requerimento de busca e apreensão ao Oficial do RTD, informando: (a) ausência de pagamento no prazo de 20 dias úteis, após a notificação; (b) ausência de entrega voluntária do bem, no mesmo prazo acima; (c) que o bem já foi consolidado em nome do credor; (d) valor atualizado da dívida; (e)  planilha com detalhamento da evolução da dívida. [art. 8º-C, §1º]
DOS ATOS PRATICADOS PELO OFICIAL DO RTD APÓS O REQUERIMENTO DO CREDOR
I - Se for veículo, lançará no RENAVAM a restrição de circulação e transferência do bem [art. 8º-C, §1º, I];
II – comunicará, se for o caso, aos órgãos registrais competentes para averbação da indisponibilidade do bem e da busca e apreensão extrajudicial  [art. 8º-C, §1º, II];
III - lançará a busca e apreensão extrajudicial na plataforma eletrônica mantida pelos cartórios de registro de títulos e documentos [art. 8º-C, §1º, III]; Obs.: Esse sistema deve ser desenvolvido com a maior brevidade, a fim de garantir a efetividade desse procedimento.
IV - expedirá certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem [art. 8º-C, §1º, IV]
Outras observações: (a) O credor(...) poderá realizar diligências para a localização dos bens [art. 8º-C, §4º]; (b) Apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial, o credor poderá promover a venda(...) do bem [art. 8º-C, §7º]
OBRIGAÇÕES DO CREDOR APÓS A APREENSÃO DO BEM
Deverá comunicá-la ao oficial de cartório de registro de títulos e documentos (a venda do veículo) [art. 8º-C, §7º]
OBRIGAÇÕES DO OFICIAL DO TÍTULOS E DOCUMENTOS APÓS A COMUNICAÇÃO DE VENDA DO BEM
Cancelar os lançamentos e as comunicações de que trata o § 2º deste artigo (1. retirada da restrição ao RENAVAM; 2. comunicação aos demais órgãos registrais; 3. retirada da plataforma eletrônica mantidas pelos cartórios); [art. 8º-C, §7º, I]
Averbará no registro pertinente ou, no caso de bens cuja alienação fiduciária tenha sido registrada apenas em outro órgão [art. 8º-C, §7º, II]
DEMAIS ATOS
No prazo de 5 (cinco) dias úteis após a apreensão do bem, o devedor fiduciante terá o direito de pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário no seu requerimento, hipótese na qual será cancelada a consolidação da propriedade e restituída a posse plena do bem [art. 8º-C, §9º]
No valor da dívida, o credor poderá incluir os valores com emolumentos e despesas com as providências do procedimento previsto neste artigo (busca e apreensão) e no art. 8º-B (consolidação da propriedade) deste Decreto-Lei, [art. 8º-C, §10]
O procedimento extrajudicial não impedirá o uso do processo judicial pelo devedor fiduciante (princípio da inafastabilidade do poder judiciário [art. 8º-C, §11]
No caso de a cobrança extrajudicial realizada na forma dos arts. 8º-B (consolidação da propriedade) e 8º-C (busca e apreensão) deste Decreto-Lei ser considerada indevida, o credor fiduciário sujeitar-se-á à multa, e ao dever de indenizar de que tratam os §§ 6º ((50% por cento do valor originalmente financiado, igual no judicial)) e 7º (não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos) do art. 3º deste Decreto-Lei.[ Art. 8º-D]